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CRÍTICA: Destacamento Blood (2020) - Spike Lee

  • Foto do escritor: Vítor Azevedo
    Vítor Azevedo
  • 28 de jun. de 2020
  • 4 min de leitura

Atualizado: 1 de jul. de 2020

Drama sociológico sob self-service iconográfico. Ou seja, se tratando de Spike Lee, uma característica prevista sob outra bem surpreendente. O que, ao final, não consegue se equilibrar tão bem assim. Uma pena, pois apostando na sua zona de conforto que ele acaba diluindo sua potente novidade.

Os últimos longas do diretor parecem denotar uma grande vontade — ou necessidade — de retomar diretamente os meados de 1960/1970 e todo seu consequente entorno. Algo que, querendo ou não, desemboca num questionamento estético, como naturalmente desemboca para todo artista visual que escolhe olhar diretamente pro passado, seja num western clássico ou num filme de guerra do século XXI: como lidar com a iconografia pretérita?



Dançando sob o signo de Apocalypse Now

Em BlacKkKlasman os contornos são extremamente límpidos. Usa-se imagens jornalísticas contemporâneas no discurso chave, pôsteres num único momento lúdico e quebras na continuidade (com a adorada ação repetida do diretor) de modo bem pontual. Do contrário, aqui, os procedimentos formais se aproveitam dessa heterogeneidade imagética, angariando sua unidade através da bagunça.

O auge da experiência: fundar seu drama central sob a inundação de imagens anacrônicas. Não como puro deleite pela confusão, pelo contrário, como um acabamento dado por esse dilúvio de diferentes referências. Aquilo que o autor nomeou como principal, seu drama étnico de peso particular para a história negra, só atinge sua verdadeira singularidade e potência quando, num primeiro flashback, a memória daqueles veteranos é filmada como um omelete estético — o rosto hipercontemporâneo de Chadwick Boseman + a artificialidade digital simulando a textura orgânica do rolo de filme + a referência descarada de Apocalypse Now + o cenário setentista sob a câmera de mão do novo século. Uma ponte entre o drama e a relação estético-histórica que gera uma dialética muito própria.



Omelete iconográfico

Algo surpreendente pra própria carreira de Lee, considerando que seus filmes mais famosos se concentram numa maior articulação dramático-discursiva enquanto jogam pra um segundo plano esse formalismo, que, na maioria das vezes, provém de algum fetiche com o cinema moderno. Todavia, infelizmente, é justamente o aspecto contrário, uma constante de outros filmes seus, que vai eclipsando este formalismo, o que era a faceta mais rica da obra.

O autor parece possuir um vício pelo exagero (o que, divagando de forma meio torta, me lembra sua confessa admiração por Kurosawa). O que nos seus piores filmes reduz tudo a uma barateza caricatural e em outros casos, como aqui, se alastra num melodrama redundante.

Penso numa cena dorsal como exemplo desse desequilíbrio: o fim de Eddie. Existe um exagero bem-sucedido na repentina dissonância tonal de se ter uma explosão em tela junto do quase gore daquele corpo em pedaços, porém, a cena fatídica se autossabota graças a decupagem de Lee que, antes de qualquer mina terrestre, deixa de enquadrar o rosto do ator enquanto ele continua a falar, faz questão de substituir o semblante por costas e pernas. Grita para o espectador, "ELE ESTÁ ANDANDO DE COSTAS". A mesma mão pesada que necessita verbalizar a imagem do McDonalds — que, antes disso, serviu como um inteligente contraste de retorno do flashback —, dentre outros excessos.

Mesmo que poucas vezes, até que o realizador encontra uma solução para essa necessidade de extravagância e ela está justamente neste formalismo que prego. Uma benesse rara, mas essencial, aliás, a santificação imputada à Norman só funciona graças ao desavergonhamento do formalismo que o joga no contra-plongée com uma luz divina que atinge a câmera ou, o meu favorito: a sequência que Paul discursa para o espectador. Há a necessidade de fazer o personagem exprimir seus últimos sentimentos, mesmo estando sozinho, algo similar ao personagem de Bogart em Treasure of Sierra Madre — e toda essa condição de solidão estertora, gerada pela ganância, ecoam a comparação — que num de seus momentos terminais, em prol da expressão, acaba tornando a atuação numa postura patológica, externando um monólogo para o vento. Com Paul, o mesmo, só que mais eloquente, graças toda esta possibilidade de metamorfose da imagem, fazendo o discurso olhando para a câmera, usurpando esse monólogo do cinema moderno, a tal “regard-caméra” dos franceses.




Fred X Paul

Assim, esses poucos momentos são apenas rarefeitos. O caos formal sendo afunilado até virar mero enfeite, pois o que acaba transbordando no todo da experiência é o seu peso dramatúrgico excessivo.

Só perceber como, no final, este drama chega num absurdo de querer se elevar a uma sofisticação alegórica. Sobre os usuais temas de amor e ódio que circundam Lee através da bifurcação dos caminhos de seus protagonistas, a solidão versus a camaradagem das diferentes etnias. Sobre uma micro ressuscitação da guerra no Vietnã. O que desemboca no pretenso clímax que minimiza o omelete exploitation do tiroteio em prol da imagem do templo, do David que a princípio nega a arma e da seriedade que se faz perante os (possíveis) últimos momentos. Daí, atestado inegável dessa pseudoseriedade está em seu epílogo, que se estende indiscriminadamente com o único motivo de concluir a todo custo cada desfecho dramático, negligenciando toda a falta de conciliação com a distorção de tons e iconografias em torno da história de seus personagens. Dissimula que, de repente, sempre esteve ali o melhor dos psicologismos, a melhor das profundidades.

O triste resumo de Da 5 Bloods: o exagero maléfico engolindo o exagero benéfico. Uma exímia potência transformada em mediocridade.

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