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CRÍTICA: Cenas de um Homicídio: Uma Família Vizinha (2020) - Jenny Popplewell

  • Foto do escritor: Vítor Azevedo
    Vítor Azevedo
  • 13 de out. de 2020
  • 3 min de leitura

Nessa crítica, não colocarei qualquer imagem ilustrativa, afinal, replicar suas imagens adulteradas, corroboraria com a mesma imoralidade que se faz o filme inteiro.


Só a possibilidade de existência desse filme já é algo completamente absurdo... Sobre a criação de uma linearidade utópica para as imagens documentais, em tal ponto que faça com que o registro de um crime verdadeiro comece a soar como uma ficção!!!

Daí, não poderíamos pensar que, por tal empreitada, no mínimo, a obra merece certo reconhecimento? Nem que seja por esse trabalho extenso tão único?

De forma nenhuma. O que há aqui é o limite da abjeção. Explorar ao máximo o mundo de "câmeras em cada esquina" em prol do puro espetáculo de vulgarizar a verdade. Algo paradoxal: um trabalho que se faz hercúleo justamente por tentar "esconder" o próprio esforço gigante (de escamotear a essencial arbitrariedade de seu processo de montagem).

É um filme de inúmeras intervenções estilísticas virulentas -- desde o básico, como colocar uma trilha sonora apelativa na apresentação da vítima, até o inegável, como construir uma interface falsa do Facebook, tão somente, para propósitos dramáticos (adornando a moldura do vídeo apresentado com fotos e dados convenientes à sua exploração sentimental) -- que, justamente por isso, tenta culminar num "intensificador da verdade". Tudo gira em torno de se dar a impressão que a totalidade do filme é a apresentação exata dos fatos, por mais que se faça isso de modo tosco. Basta ver, por exemplo, como se esconde os cortes da câmera de segurança através de ruídos artificiais ou, ainda, como sempre se mostra as mensagens de celular na resolução imagética esdrúxula do "como se eles digitassem naquele mesmo momento" (apesar de estar sempre, descaradamente, destacando e dando zoom nas frases mais "dramáticas")

Uma vontade enorme de transformar o assassinato real num reality show, mas em um nível completamente diferente, pois, aqui, praticamente não existe registro fílmico próprio. O tempo inteiro é sobre adulterar e se apropriar daquilo que já existe. Pega-se as infinitas filmagens de diferentes texturas/diferentes visões/diferentes conjunturas para, simplesmente, culminar numa espécie de show divertido. Avassaladora alienação: nega-se ao espectador o contexto de criação de qualquer uma das suas imagens a fim de dar esse ponto final ao acontecido, projetar de vez a (emocionante) cobertura da verdade.

Suas raízes morais podem ser facilmente descobertas ao prestarmos atenção no desinteresse da diretora em se aprofundar na própria relação de Shannah com o ato de filmar (que possuía vídeos suficientes para fazer uma espécie de vlog em seu Facebook e é um dos maiores sustentáculos do próprio filme). Simples, a obra está apenas replicando aquele mesmo prazer voyeurístico que os internautas tiveram, o de ver os vídeos da vítima como entretenimento próprio, mas, com a diferença de fazê-lo num nível megalomaníaco. Acompanhar o homicídio didatizado é fácil, anestésico e divertido. O prazer de presenciar, de sentir que algo é concreto através do ótico, ou pior, o prazer de acreditar, imbecilmente, que o próprio fenômeno da visão basta para decifrar a verdade.


Claro, uma concretude de um só ponto de vista e que, novamente, acaba por replicar uma mesma construção de mundo típica das redes sociais (que lá é ingênua e aqui ignóbil). Afinal, se o daily vlog, ou mesmo, os stories cotidianos se baseiam numa representação unilateral do "o que é a minha vida" — através de uma contínua seletividade de momentos, mesmo que inconsciente, a fim de criar uma selfie totalizante —, aqui, isto é levado a loucura, reduzindo todas as imagens de arquivo a visão única dessa "lógica temporal rígida".

Rigidez que, claro, só quebra a própria linearidade ao final do filme, quando repete suas imagens iniciais, nos fazendo rever aquele Christopher Watts "inocente" com ironia ousadinha (pra não dizer completamente abjeta). Óbvio, aqui, cronologia e linearidade não dizem respeito apenas a decorrência de fatos, mas, principalmente, ao espetáculo de sentimentos que se cria.

American Murder: The Family Next Door usufrui ao máximo do que há de pior na era da mega difusão da imagem e do som. Mostra novas formas de alienação, exploração midiática e hipocrisia, mas, finalmente, esconde o mesmo de sempre: sensacionalismo.

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