CRÍTICA: Acampamento Sinistro (1983) - Robert Hiltzik
- Vítor Azevedo
- 20 de jul. de 2020
- 5 min de leitura
Não é absurdo afirmar que se é dentro do grande público que encontramos a maior parcela dos “fãs de slashers” este apelo com as massas só parece advir se acompanhado de um certo desdém. Sobre gostar do subgênero sob a pena de assumir que se trata de filmes menores, toscos e vazios. Algo que, por vezes, a própria produção ajudou a propagar, devido à criação exaustiva de sequências para as obras de sucesso, o esvaziamento sob o esvaziamento. Entretanto, um olhar justo para o slasher só pode existir se acompanhado de uma investigação. Para encontrar seu pote de ouro, é preciso entender que esse “vazio” inicial só se refere a uma ausência de equilíbrio, exatidão e profundidade ilusória. A fertilidade está no lugar que mais importa para esse tipo de experiência: na imagem — depravada, deformada e tresloucada.

Se, por um lado, a época da extravagância teve como centro os engenheiros da mise en scène (como em De Palma ou em Wenders), por outro, ela também abriu os portões dos perversos e pervertidos. Os curiosos em confeccionar o esfaqueamento que Hitchcock nunca pôde mostrar mesmo em seu filme mais ousado, interessados na possibilidade de exterminar os espaços de dúvida germinados pelas elipses do cinema de outrora. Aliás, se o tal Hitchcock contava abertamente para Truffaut que “Vertigo” era sobre necrofilia, ele só podia dizer tal coisa depois de ter realizado planos que nunca atentassem contra o pundonor de James Stewart. Logo, é tudo sobre decalcar esses temas escondidos, porém, sem precisar da formulação aritmética de um Vestida para Matar.
Podemos concluir que os slashers são alunos dissimulados dos italianos pais do giallo (um dos primeiros autores interessados em macular Hitchcock). Captaram algumas lições que lhe convinham apenas para ignorar a existência de outras. Como se tivessem se encantado com o exagerado acúmulo de desventuras de A Garota que Sabia Demais (tão excessivo que nem a própria protagonista consegue acreditar) ou, ainda — a comparação mais óbvia —, admirado as mãozinhas fantasmagóricas de 6 Mulheres para o Assassino, mas, claro, angariando isso sem nem relar no complexo jogo técnico que acompanha esses filmes. Basicamente, negligencia-se a imagem feérica reluzente para se concentrar nas falsidades que explodem em nudez, gosmas e manequins.
Isto posto, a conjectura óbvia seria acreditar que o caminho que essas obras percorrerão sempre desembocará numa queda livre fadada ao hiper — Street Trash, apesar de não ser um slasher, talvez fosse o melhor exemplo dessa “jornada natural” do trash exploitation, o filme que começa na escatologia das ruas e do ferro velho, mas toma um crescendo maluco e vai de flashbacks da guerra do Vietnã ao humor absurdo de um pênis decepado sendo usado como frisbee —, porém, Sleepaway Camp de modo inusitado e sábio opta pelo inverso: o hipo. Tal como seu acampamento, ele decide erguer barreiras, fechar seu mundo num espaço determinado, para, aí sim, fazer com que o horror irrompa em algo que transcende o gráfico. É tudo sobre articular suas liberdades desenfreadas através de um método.


Já na sua cena de abertura poderíamos perceber indícios bem simbólicos sobre essa configuração própria, aliás, se nada é “mais slasher” do que começar seu filme com jovens de biquíni, não se pode dizer o mesmo sobre como a cena acaba. A primeira morte do filme que não é usada num continuum da exploração dos corpos de seus adolescentes, pelo contrário, sua garota é transformada em utensílio, numa elipse simbólica, pois a câmera opta por esconder seu horror (que, provavelmente, surgiria como maquiagens extravagantes e manequins falsos, como ocorre posteriormente) ao nos apresentar a fatalidade por um outro olho: o da menina que grita. Logo, só temos contato com o horror através dessa intermediação, de se prender aos vestígios materiais, em suma, o grito é sinônimo do colete que emerge estraçalhado como índice desse óbito acidental.
E este adjetivo, “acidental”, é justamente a palavra precisa para se entender o ponto gravitacional do filme. Tudo se baseia em ações cotidianas, na abjeção à espreita da própria rotina desses jovens, longas contemplações banais que, por vezes, desembocam em explosões gráficas, dando prosseguimento à essas mesmas banalidades. Basta olhar para as próprias ações do assassino, seja o afogamento, o incidente com abelhas ou a queimadura, o momento do fetiche ignóbil, de parar o plano para contemplar a evasão do horror, está intrinsecamente conectado ao doméstico, mais interessado no que se refere ao terreno do que à anomalia. A extravagância plástica não é tanto finalidade quanto é meio.

Para seu diretor parece mais importante se prender ao chão, se apegar ao mundano, como se houvesse um prazer mor oculto, acessível apenas pelo filtro de um outro método. Ora, se o processo de confeccionar um turbilhão de imagens sanguinolentas está atrelado a esta vontade desse “novo cineasta curioso”, em vias de se aproveitar da queda do tabu imagético, com Robert Hiltzik, esse tal prazer almejado continua a fazer parte de um regojizo sádico, mesmo que ele dependa de uma lapidação lenta e paciente. Algo próximo de um “O Estranho Segredo do Bosque dos Sonhos” em que Fulci organiza seus homicídios e sacanagens com intuito de revelar a abjeção daquela cidade provinciana, ou seja, se concentrar numa “outra revelação”, aqui, um decalque concentrado na crueldade em torno de seus adolescentes.
Daí, é importante atentar como essa “investigação”, ainda assim, se concretiza pela superfície, por momentos de exibição que recusam qualquer profundidade. Não interessa se Judy é um grande estereótipo, ou melhor, é justamente isso que interessa, essa figura esvaziada, a caricatura de menina malvada que trará uma série de imagens maliciosas. Estabelece-se um limite em prol de um determinado recorte temático, mas seu modus operandi só se realiza pelo acúmulo de efeitos, por essa sequência de acontecimentos isolados: as brincadeiras maldosas com Mozart, as fofocas sobre Angela, a traição de Paul, o malogro do cozinheiro pedófilo, etc.
A figura da Tia Martha é um ótimo exemplo. Uma personagem super caricata, impossível de não se prestar atenção — tanto que, procurando sobre Sleepaway Camp, a primeira coisa que encontrei foi uma fanart da personagem extravagante —, tão destoante do resto do filme que parece impossível que sua aparição não soe gratuita. “Gratuidade” totalmente advinda dessa conjuntura de liberdade cinematográfica e que, sem qualquer demérito, em filmes similares, talvez se satisfizesse com a própria criação em si. Todavia, aqui, há a necessidade de se manter uma coesão, transforma-se a idiossincrasia da personagem, originada graças a essas possibilidades desenfreadas, num gatilho para a revelação mor. Explosão de imagens desvairadas subjugada numa explosão interna, no torvelinho que tem Angela como epicentro.
Logo, assim como Tia Martha, a estrutura clichê que requere um plot twist, algo pertencente a grande parte dos slashers — o que, novamente, não é nenhum mal se usado como puro clichê, pois o que o torna em algo bom ou ruim está na execução desse clichê: a imagem — é expulsa da área do “pretexto”, como usualmente ocorre desde sua ancestralidade no giallo. Pelo contrário, na revelação da história que está o gozo almejado, a abjeção desse universo particular que seu autor queria tanger a qualquer custo.
E então? O que acontece quando se conquista a tal revelação? Bem, tudo irrompe em espetáculo, pois, tão somente ali, nas entranhas do seu objetivo, quando ele encontra esse choque da mudança de gênero compulsória, violenta e criminosa que o meio se torna fim. Não é o pênis exposto, nem o “Deus, ela é um menino” que traz o impacto. É o exagero da cabeça decapitada e, ainda mais, aquela visão extremamente artificial e, por isso, horrenda de Angela pelada. Na verdade, um garoto nu usando uma máscara com a fotografia de Felissa Rose. Nada mais artificial, nada mais bizarro e nada mais condizente com o sentimento de se expor as vísceras.
Novamente: o que acontece quando se conquista a tal revelação? Bem, o mundo cristaliza-se em verde.

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