CRÍTICA: A Grande Testemunha (1966) - Robert Bresson
- Gabriel Zügel Zeidan
- 1 de jul. de 2020
- 2 min de leitura
O olhar melancólico da inocência irracional, voltado ao escapismo dramático das limitações auto-impostas de um cineasta.
Em que ponto a sugestão se torna tanto quanto, se não mais, apelativa que a demonstração de um ato gráfico explícito? Presenciar um plano detalhe do olhar de um animal sendo açoitado pode expressar maior apelo do que contemplar o ato em si. Ao assistir ao sofrimento imposto por Bresson em Balthazar, o texto de Jacques Rivette, o famoso “Da Abjeção”, surgiu instantaneamente em minha mente. Mais especificamente o momento em que o autor cita Jean-Luc Godard em: “travellings são uma questão de moral”.

Tendo em mente a indagação de Godard, questiono em relação à Bresson: enquadrar obsessivamente o olhar de Balthazar todas as vezes que algo o fere, não se torna também uma questão de moral? O diferencial é que o cineasta foi vítima de sua própria célebre estética, que em soma às circunstâncias de mise-en-scène e decupagem, penderam-se a exacerbar os aspectos melodramáticos da obra. Algo que não ocorre em seus outros filmes que assisti, que no presente momento são: “O Batedor de Carteiras” e “Um Condenado a Morte Escapou”.
Porém, o cineasta aparenta não conseguir conciliar seu autorismo anômalo a esta narrativa. Se é fascinante assistir, através da estética Bressoniana, o prisioneiro vagarosamente desmontar parte da porta que o mantém detento na prisão, contemplar Balthazar sofrendo se torna um lamento constante da cosmologia da obra. E não que seja problemático um filme possuir uma estética melodramática, mas o cineasta faz uso de elementos compulsórios que acabam por tornarem-se até mesmo duvidosos. É o jogo que mencionei: algo ruim ocorre ao burro, e imediatamente somos levados a um plano detalhe, ou primeiríssimo plano de seu semblante melancólico. Um jogo de ação e reação que acaba por tornar-se manipulativo.

O fato da ineficácia Bressoniana perante a história de Balthazar levantou uma questão interessante em meu âmago: o estilo de um cineasta, por mais peculiar que seja, pode não se aplicar devidamente a qualquer filme? Ou talvez necessite de lapidagens, é possível também, que Bresson tenha apenas focado nas coisas erradas. Pois ao utilizar o mártir do burro, o cineasta tornou a figura do animal como uma válvula de escape empática na obra, uma que necessita ser esmiuçada, pois compensa por todas as outras personagens serem manequins funcionais.
É uma tarefa árdua desenvolver uma história melodramática boa com um estilo frio e distante como o de Robert Bresson. Ele quis expurgar todas as restrições auto-impostas nas figuras humanas e depositá-las no animal diminuto, que é uma mera testemunha, e como mencionei, um mártir, da vida dos seres humanos que o cercam. Ele seria o Andrei Rublev, os Hobbits, entre muitos outros exemplos que se enquadram neste arco de personagem. Sinto empatia por Balthazar, mas isto apenas por sua condição natural de animal tratado como objeto, a mise-en-scène insistente de Bresson conseguia apenas me afastar deste sentimento.
Este filme parece distante de ter o minimalismo microscópico cru de seus outros filmes que citei anteriormente, me parece um Bresson permitindo-se ser mais acessível, um que demonstrará a triste história do burro com um melancólico piano de fundo. Parece até mesmo ser uma obra que não se encaixaria em seu “cinematógrafo”.

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